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A ira de Deus se revela do céu

A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça” é com esta expressão do capítulo 1 verso 18 que vamos continuar a nossa jornada de estudar expositivamente a carta de Paulo aos Romanos.

Paulo dividiu a carta em tópicos, para facilitar o entendimento dos seus leitores, é um sistema construído com teses. Nestas teses Paulo cita de modo profuso as Escrituras Hebraicas e faz numerosas referências a elas, de modo que se pode dizer que essa carta baseia-se mui solidamente nas Escrituras Hebraicas e nos ensinos de Cristo.

Romanos 1.18 a 3.20). é o texto completo da primeira tese do apóstolo Paulo que mostra a perdição de toda humanidade, argumentando que a queda trouxe ruína, destruição e morte espiritual a todos os homens.. O nosso problema não é metafísico, mas moral. O homem está sob a ira de Deus, por isso precisa de salvação. 

O apóstolo Paulo vai  argumentar, de forma irrefutável, nesta passagem, que tanto os gentios como os judeus são absolutamente culpados diante de Deus. Os dois pecaram e estão destituídos da glória de Deus. Os gentios pecaram contra a revelação natural e os judeus contra a revelação escrita. Os dois precisam de igual forma serem salvos,  os dois podem ser salvos pela fé em Cristo Jesus.

A ira de Deus e a depravação da sociedade gentílica.

Hoje especificamente vamos trabalhar com parte do texto da tese da perdição que começa no verso 18 e vai até o verso 32 que é o final do capítulo um. 

Esse texto em apreço não é apenas uma radiografia da sociedade gentílica dos dias de Paulo e um sombrio quadro do mundo pagão, mas também um diagnóstico sombrio da condição do homem contemporâneo. A humanidade toda está moralmente arruinada.

Antes queremos chamar a atenção para alguns pontos: 

Em primeiro lugar, Paulo rechaça a teoria de que o homem é naturalmente bom. O pensador francês Jean Jacques Rousseau estava rotundamente equivocado quando postulou que o homem é essencialmente bom. O mal não está apenas nas estruturas sociais. O mal não é apenas um subproduto do ambiente. O coração do homem é a fonte poluída da qual jorra aos borbotões toda sorte de sujeira e maldade. 

O caos infernal da sociedade é apenas um reflexo da malignidade do corrupto coração humano. O mundo gentio é descrito por Paulo como um antro de vícios (Rm 1.24-32).

Em segundo lugar, Paulo rejeita a ideia de que o maior problema humano é a falta de conhecimento. O problema do homem não é a ignorância da verdade de Deus, mas abafar e sufocar essa verdade. Não é o desconhecimento involuntário da verdade de Deus, mas a rejeição consciente dessa verdade. Deus se revelou ao homem, mas ele sufocou esse conhecimento, banindo Deus deliberadamente da sua vida.

A boa criação de Deus brilha para dentro de cada consciência, de modo que cada um poderia ser grato (Rm 1.20,21). O homem não vive numa caverna escura. A criação é testemunha de Deus. A natureza revela conhecimento. Uma voz esta soando e é ouvida onde quer que os seres humanos vivam, estejam eles com ou sem a Bíblia. E a voz da criação (SI 19.1-3). Mesmo aqueles que não dispõem da Bíblia têm conhecimento suficiente de Deus a ponto de serem indesculpáveis (At 14.17).

Em terceiro lugar, Paulo repudia a falsa mensagem de que o homem tem apenas necessidades imediatas. A pregação contemporânea apresenta uma falsa visão da queda, do pecado, do homem e da salvação. A visão bíblica de que o homem está morto em seus delitos e pecados e vive prisioneiro da carne, do mundo e do diabo não mais é proclamada na maioria dos púlpitos.

A pregação contemporânea na grande maioria mostra que o homem tem algumas necessidades imediatas e temporais, mas não está perdido. A Bíblia, porém, diz que o homem é um ser rebelado contra Deus; está debaixo da ira de Deus e sob o seu castigo temporal e eterno. Essa é a condição de toda a humanidade. O estado dos povos é descrito por Paulo como completamente sem esperança.

Em quarto lugar, Paulo rejeita uma evangelização que não trate do núcleo do problema humano. Floresce no meio evangélico uma mensagem focada nas necessidades imediatas do homem (cura e prosperidade) e dos pretensos direitos desse homem. Os púlpitos massageiam o ego dos pecadores. Tornam- se divãs contaminados da psicologia de autoajuda. Isso porque perdemos a consciência do estado de rebeldia contra Deus em que o homem se encontra. 

Com isso a igreja perde o fervor missionário e passa a pregar apenas em panaceia, sem tocar no âmago do problema humano, que é o pecado.

A ira de Deus se revela do céu em três estágios

.A passagem que estamos analisando aqui, (Romanos 18 a 32, cita os três estágios do mundo gentio culpado diante de Deus: sao eles: revelação, rejeição e retribuição. Examinaremos agora esses três pontos

.A ira de Deus se manifesta como revelação. (1.18-20). Paulo não se constrange de discorrer e argumentar que a ira de Deus se revela do céu. Ele não está preocupado em ferir os melindres dos mais sensíveis. Assim como a justiça de Deus se revela no evangelho, contra toda impiedade e perversão humana. Deus não é indiferente ao pecado, pois este é uma afronta a sua santidade, um assalto direto à sua majestade.

Assim, a ira de Deus é uma expressão que indica o justo derramamento do desfavor divino sobre o pecador. A ira de Deus não é incompatível com o seu amor: ao contrário, é uma expressão do seu amor. E justamente porque nos ama verdadeira, séria e fielmente, que Deus está irado conosco em nossa pecaminosidade.

Entretanto, o pleno significado da ira de Deus não deve ser visto nas desgraças que acontecem a homens pecadores no decorrer da história: a sua realidade só é verdadeiramente conhecida quando vista na sua revelação no Getsêmani e no Gólgota.

Destacaremos alguns pontos aqui: Em primeiro lugar, a ira de Deus é justa por causa da forma injusta que o homem se relaciona com a verdade. “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça. A ira de Deus não é destempero emocional. Não é uma explosão de raiva. Não está contaminada de caprichos. Não deve ser concebida em termos de explosões de ódio, às quais a ira, em nós, está frequentemente associada.

A ira de Deus é sua santa repulsa ao mal, é seu desprazer dinâmico contra o pecado. A ira de Deus se revela do céu, é a reação da santidade divina a impiedade e rebelião do homem. A ira consiste na santa reação do ser de Deus contra aquilo que é contrário à sua santidade, não se deve associar a ira de Deus a nenhuma ideia humana, de paixão, fraqueza ou vingança. Assim, no conflito moral, o contrário de “ira” não é “amor”, mas “neutralidade”.

A ira de Deus em algumas verdades reveladas.

A dinâmica da ira (1.18). O verbo “revelar-se” está no presente contínuo e isso significa que a manifestação da ira é contínua. O pecado atrai a ira de Deus. Foi assim no dilúvio, na destruição de Sodoma e Gomorra, nas pragas do Egito e em todas as visitações da ira de Deus na história humana. A revelação da “ira vindoura” nos tempos finais (lTs 1.10) é antecipada pela revelação do mesmo princípio na vida corrente do mundo.

A origem da ira (1.18). A ira de Deus se revela no céu. Ela vem de cima, do trono daquele que governa moralmente o universo e não pode tolerar passivamente o mal. A História é o palco da manifestação dessa ira contínua de Deus. Por ser procedente do céu, o trono de Deus, a ira divina é ativa.

A causa da ira (1.18). A ira de Deus se revela do céu, e a causa da ira é a impiedade e a perversão humana. A impiedade se refere ao relacionamento com Deus e a perversão, ao relacionamento entre os homens. Impiedade é rebelião contra Deus; perversão é rebelião contra o próximo. Impiedade é a quebra da primeira tábua da lei; perversão é a quebra da segunda tábua da lei. A “impiedade” diz respeito àquela perversão de natureza religiosa, ao passo que a “perversão” se refere àquilo que tem caráter moral; a primeira pode ser ilustrada pela idolatria; a última, pela imoralidade.

A impiedade para com Deus resulta em injustiça para com os homens. a impiedade se refere a violações dos quatro primeiros mandamentos, e a injustiça, à violação dos seis últimos; porém, mais verossímil é que as duas palavras sejam empregadas como duas expressões para a mesma coisa.

O alvo da ira{ 1.18). A ira de Deus se revela do céu, contra toda impiedade e perversão dos homens que “detêm a verdade pela injustiça”. Por causa da impiedade e da perversão, os homens sufocam e abafam a verdade. A palavra “deter” significa matar por afogamento. Todo o pecado é uma resistência deliberada a Deus.

Os homens, com inumeráveis maldades, martelam contra esse saber (1.20,21), prendendo-o no porão de sua consciência, não permitindo que se erga. É muito difícil, porém, excluir Deus do raciocínio, por mais fácil que seja excluí- lo do discurso.

A ira de Deus se revela do céu em verdades solenes.

Em segundo lugar, a ira de Deus se revela do céu e é justa por causa da forma consciente que o homem rejeita a revelação divina (1.19,20). Chamamos a atenção para algumas verdades solenes:

O homem só pode conhecer a Deus porque este se revelou (1.18). Calvino inicia as Institutas dizendo que só podemos conhecer a Deus porque ele se revelou. O conhecimento de Deus não é fruto da elucubração humana, mas da própria revelação que Deus faz de si mesmo.

A revelação natural é suficiente para mostrar a majestade de Deus (1.20). O homem tem a verdade porque Deus se revelou na natureza. A criação é uma manifestação visível do Deus invisível. A criação ou revelação natural fala sobre os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua divindade.

As obras visíveis da criação de Deus manifestam suas perfeições invisíveis. Deus deixou sobre sua obra criada as “impressões digitais” de sua glória, que se torna manifesta a todos.

 Depreendemos desse fato que Deus é distinto da criação. Ele não se confunde com as coisas criadas. O panteísmo, portanto, é uma falácia. De igual forma, concluímos que Deus é soberano, uma vez que trouxe à existência as coisas que não existiam. 

O universo não é fruto de geração espontânea. O universo não pariu a si mesmo. Ele foi criado. O universo não é resultado de uma explosão cósmica, uma vez que a desordem não produz a ordem nem o caos produz o cosmo. O universo não é consequência de uma evolução de bilhões e bilhões de anos. Antes, é obra de Deus e arauto de Deus. O rei Davi escreve: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (SI 19.1). Todo o cosmo é um testemunho eloquente da existência de Deus.

A auto revelação de Deus por meio das “coisas que foram criadas” tem quatro características básicas:  ela é universal ou geral, porque se destina a todo o mundo em todos os lugares;  ela é natural, porque se deu pela ordem natural; nisso ela se opõe à sobrenatural, que envolve a encarnação do Filho e a inspiração das Escrituras;  3) ela é contínua, pois vem desde a criação do mundo e continua dia após dia, noite após noite, ao contrário da “final”, que é completa em Cristo e nas Escrituras;  4) ela é criacional, revelando a glória de Deus por intermédio da criação, no que se opõe è revelação salvadora, que manifesta a graça salvadora de Deus em Cristo.

A revelação natural é suficiente para tornar o homem indesculpável perante Deus (1.20). Mesmo que a revelação natural não seja suficiente para salvar o homem, é suficiente para responsabilizá-lo. Todos os homens são indesculpáveis perante Deus porque a verdade de Deus tem-se manifestado a eles tanto na luz da consciência como no testemunho da criação (1.19,20).

Os homens não poderão fazer apologia em seu próprio favor. Ninguém poderá dizer a Deus no dia do juízo: “Ah! eu não sabia que o Senhor existia, não sabia que o Senhor é criador do universo”. O próprio mundo é descrito pelo termo cosmo, que significa “ordem” e implica desígnio por parte do Criador.

Aqui cai por terra a teoria do índio inocente, dos povos remotos que estão em estado de inocência. Não é essa a teologia de Paulo. Todos os povos são indesculpáveis diante de Deus. Eles pecam contra Deus conscientemente. 

Paulo está dizendo também que o ateísmo é uma grande tolice. Ninguém nasce ateu. Na verdade, esse conhecimento de Deus é sufocado. Os ateus se fazem assim. O ateísmo não é uma questão intelectual, mas moral. O pecado é sempre um assalto à verdade, isto é, a verdade fundamental de Deus como Criador, Redentor e Juiz.

A ira de Deus se revela do céu na rejeição do gentios.

A rejeição (1.21-23) Paulo traça os passos pelos quais o mundo pagão descambou do conhecimento do Deus verdadeiro à idolatria mais degradada e abstrusa. Destacamos aqui quatro pontos:

Em primeiro lugar, conhecimento suficiente.Porquanto, tendo conhecimento de Deus...” (1.21). O problema humano não é a ausência do conhecimento de Deus, mas a negação de Deus. O homem possui suficiente conhecimento da verdade para garantir ser descrito como tentando abafá-la. Ele tem conhecimento suficiente, mas sufoca esse conhecimento. O homem quer tirar Deus do seu caminho, eliminar Deus do seu pensamento, banir Deus da sua vida. O homem tem conhecimento suficiente de Deus para torná-lo indesculpável.

Em segundo lugar, rejeição consciente. “… não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios...” 1.21). 

Em princípio, o pecado humano é pecado por omissão. Um duplo “não” os acusa (eles não glorificaram a Deus nem lhe deram graças). Portanto, no começo não está o, dizer não, mas, não dizer, quando os homens rejeitam a verdade, abraçam a mentira em seu lugar. A ausência da verdade sempre assegura a presença do erro”.

O homem rejeita conscientemente o conhecimento de Deus de duas formas: Um, Deixando de glorificá-lo por quem ele é. O homem deveria olhar para a natureza e ver nela a glória de Deus. Deixar de reconhecer os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua divindade nas obras da criação, é privar Deus da sua própria glória.

Glorificar a Deus como Deus não é aumentar a glória de Dele; significa meramente atribuir a Deus a glória que lhe pertence como Deus, ou seja, dar a ele, nos pensamentos, afetos e devoção, o lugar que lhe é devido, em virtude das perfeiçÕes que a própria criação visível manifesta. 

Atribuir a criação ao acaso é despojar Deus de sua majestade. Portanto, quando os povos pagãos, seja nos grandes centros urbanos, seja nas selvas mais remotas, dão glória aos seus ídolos, não fazem isso de forma inocente. Trata-se de uma rebelião deliberada.

2, Deixando de agradecer-lhe pelo que fez. Glorificamos a Deus por quem ele é e damos graças a Deus por aquilo que ele faz. A criatura deixa de ser grata para ser ingrata. Deus criou a terra e a encheu de fartura. Deus deu ao homem vida, saúde, pão, as estações e tudo mais para o seu aprazimento. Contudo, a resposta do homem a todo esse bem é uma consciente e deliberada ingratidão.

Qual é a razão dessa rejeição consciente? Tudo começa na mente. Os homens se tornaram nulos em seus próprios raciocínios. O homem começou a pensar e tirou Deus como referência do seu pensamento. O homem começou a refletir e tirou Deus como fonte de todo o bem. O homem começou a criar as suas próprias hipóteses, e muitas filosofias foram inventadas. O homem tornou-se o centro e a medida de todas as coisas. Não havia mais espaço para Deus. O resultado é que, nesse vazio de Deus, o raciocínio do homem tornou-se nulo.

Em terceiro lugar, comportamento inconsequente. “… obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos (1.21,22).  O que começa na mente vai para o coração. O raciocínio errado leva o coração às trevas. Quando o homem perde o conhecimento de Deus, perde também a referência de santidade. Não sabe mais de onde vem, nem para onde vai.

Torna-se totalmente louco, não compreendendo a si mesmo ou mesmo o universo em que vive. “E fatal confundir esclarecimento filosófico com iluminação espiritual, pois o efeito do pecado sobre a mente do homem é tornar sua suposta sabedoria em tolice”.

Um raciocínio nulo gera um coração obscuro. Uma mente sem Deus produz uma vida de trevas. Banir Deus deliberadamente da vida desemboca no obscurantismo moral, na loucura mais consumada. Essa é a situação hedionda em que os homens se meteram. Eles achavam que deixar Deus de fora seria um ato de sabedoria, mas Paulo diz que essa é a mais consumada loucura.Tal obscurantismo indica embotamento mental, desespero emocional e depravação espiritual.

“Essa é a divina estimativa dos mais orgulhosos filósofos da Grécia e de Roma, e de toda a blasfemada sabedoria do Eufrates e do Nilo. Ainda hoje a mais obtusa infidelidade pode coincidir com a mais deslavada presunção. O moderno sábio adora-se a si mesmo.

Em quarto lugar, idolatria irreverente. “E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis” (1.23). 

Aquilo que começou na mente e desceu ao coração deságua na religião. A pretensa sabedoria humana de rejeitar o conhecimento de Deus e mudar a glória do Deus incorruptível em imagens de homens, aves, quadrúpedes e répteis é a mais tosca loucura e o nível mais baixo da degradação espiritual. 

Em seu pensamento os seres humanos reduzem Deus a duas pernas, depois a quatro patas, e finalmente a rastejar sobre o ventre. E em todo o tempo eles se dizem sábios.

Partindo da adoração do Deus vivo e verdadeiro, a humanidade gradualmente desceu à idolatria e ao fetichismo. Se o homem não adora o Deus verdadeiro, adorará um deus falso, mesmo que ele próprio tenha de confeccioná-lo.

A mente humana nunca é um vácuo religioso; se houver a ausência do que é verdadeiro, sempre haverá a presença do que é falso. A razão separada da fonte de luz conduziu os homens a um delírio de inutilidade. Ainda hoje muitos religiosos alegam invocar seu deus por meio de imagens, afirmando que eles não se curvam à imagem em si. 

Arão fez um bezerro de ouro, mas não tinha a menor intenção de levar o povo a adorar a imagem. Ele disse: “Amanhã, será festa ao Senhor” (Ex 32.5). O bezerro era simplesmente um auxílio à devoção, mas o julgamento de Deus a respeito foi muito diferente: “Em Horebe, fizeram um bezerro e adoraram o ídolo fundido. E, assim, trocaram a glória de Deus pelo simulacro de um novilho que come erva” (SI 106.19,20). Aqueles que se recusam a render culto a Deus e não sentem prazer em prestar-lhe obediência são comumente os autores de teorias e crenças errôneas tão populares quanto vazias e absurdas.

Paulo descreve os muitos deuses egípcios, bem como o panteão de deuses gregos e romanos. No berço onde nasceu a filosofia, o povo estava mergulhado no obscurantismo. O apogeu da filosofia grega não passava de um tempo de ignorância (At 17.30). 

A idolatria é uma rebelião contra Deus. Substituir o Deus incorruptível por criaturas corruptíveis e prostrar-se diante de obras das próprias mãos é perverter o culto divino e desonrar o Senhor. A hediondez da idolatria pode ser notada não apenas na imoralidade que engendra, mas também no fato de que, ela caricatura e falseia a Deus.

A ira de Deus se revela do céu na perversão dos Gentios.

A ira revelada como retribuição (1.24-32) Da idolatria para a imoralidade é um passo. John Stott diz: “A história do mundo confirma que a tendência da idolatria é acabar em imoralidade. Uma falsa imagem de Deus leva a um falso conceito do sexo.

A perversão da vida surge da perversão da fé. Se a raiz do pecado humano é a perversidade religiosa, o fruto é a corrupção moral. Arrancado de Deus, da fonte da sua vida e felicidade, o homem procurou a satisfação na criatura. 

A rebelião contra Deus criou um vácuo na natureza humana. 

Todos os desejos e excessos do comportamento humano são tentativas malogradas de satisfazer aquele doloroso vazio que o mundo nunca poderá preencher. Como resultado do seu afastamento de Deus, o homem está condenado a um anelo insaciável.

Paulo relaciona aqui três vezes o abandono de Deus às consequências do comportamento humano (1.24a; 26,27a e 28b- 31), e três vezes a miséria daí resultante (1.24b, 27b, 32). Nessa descrição, a exposição da culpa se torna passo a passo mais breve, e suas consequências, sempre mais detalhadas, até que se derrama diante de nós praticamente um dilúvio de vícios, fazendo estourar toda a podridão interna da sociedade humana.

Um ótimo comentarista, John Murray diz que a penalidade infligida pertence à esfera moral distinta da esfera religiosa – a degeneração religiosa é penalizada mediante a entrega à imoralidade; o pecado cometido no terreno religioso é castigado pelo pecado na esfera moral.

Algumas verdades solenes devem ser aqui destacadas também: Em primeiro lugar, o juízo de Deus é tanto temporal como eterno (1.24,26,28). Enganam-se aqueles que pensam que o Deus do juízo está dormindo, inativo ou indiferente ao que acontece no mundo. O estado de degradação em que a sociedade se encontra já é uma retribuição divina, uma manifestação temporal do seu juízo.

Embora o derramamento de sua ira, em toda sua plenitude, seja um problema do futuro, o impenitente experimenta uma prelibação ainda aqui e agora. Deus finalmente os abandona, permitindo-lhes perecer em sua própria impiedade”.

No dia do juízo, a sentença eterna de Deus será apenas esta: Continue o injusto fazendo injustiça, continue o mundo ainda sendo imundo...” (Ap 22.11). A penalidade eterna do homem será experimentar eternamente os resultados de seu abominável pecado.

Deus não é um espectador que tão somente grava na memória os pecados do homem para recuperá-los no juízo final. Ao contrário, sua ira interior já hoje se torna resistência ativa.

A misericórdia não correspondida produz ira. A paciência divina sem resposta humana favorável resulta no derramamento da indignação divina.

Em segundo lugar, o juízo mais severo de Deus é dar ao homem o que ele quer (1.24,26,28). Não há casdgo maior para o homem do que Deus o entregar a si mesmo. Deus pergunta: “E isso que você quer? Seja feita a sua vontade”. Esse é o maior juízo de Deus, entregar o homem a si mesmo, à sua própria vontade. Os homens que tanto amam o esgoto do pecado são enviados para lá; o que quiserem, eles terão.

Deus entrega esses “filhos da ira” (Ef 2.3) desprotegidamente a si próprios, a saber, às concupiscências de seu coração (1.24), às paixões infames (1.26), a uma disposição mental reprovável (1.28), ou seja, à maneira que eles próprios escolheram para viver. Em outras palavras, Deus os entregou à sensualidade (1.24,25), à perversão sexual (1.26,27) , e à vida antissocial (1.28-32). Assim, os perdidos gozam para sempre da horrível liberdade que sempre pediram; porém, essa liberdade é a mais perturbadora escravidão.

A graça restritiva de Deus age no mundo, apesar da rebeldia humana, e assim, impede que a sociedade se furde no abismo do pecado e se transforme num inferno existencial. Os juízos dentro da História ainda não são juízos totais. São aplicados como freios acionados, mesclados a uma profusão de paciência e longanimidade (Rm 2.4). No entanto, quando o homem se mostra resistente à graça e obcecado por lambuzar-se no pecado, Deus então o entrega.

A humanidade é como um caminhão que desce ladeira abaixo. Deus está com o pé no freio, e o homem, com o pé no acelerador. Deus quer evitar a tragédia, e o homem acelera rumo ao abismo, até o momento que Deus tira o pé do breque e esse caminhão avança desgovernado para uma terrível tragédia.

Um outro comentarista, ilustra essa realidade de outra forma. O homem pretende fugir de Deus, o seu dono. Por isso, Deus simplesmente tira a coleira. As pessoas escolhem abrir mão da verdade, e Deus abre mão das pessoas.

O que acontece é que Deus tira a culpa. O homem consegue pecar e a consciência não o acusa mais. Aí ele se glória no pecado e aplaude o vício. As pessoas mergulham no pântano mais asqueroso da imoralidade e se corrompem ao extremo sem nenhum constrangimento. Isso é o juízo de Deus. Por que Deus não manda fogo e enxofre como fez com Sodoma e Gomorra? Pior é entregar o pecador ao fogo do seu coração, preparando-o para o fogo do juízo.

Em terceiro lugar, a idolatria e a imoralidade são tanto a causa como a consequência do juízo divino (1.24,25). Porque o homem desonrou a Deus, mudando a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis, Deus também entregou os homens para desonrar o seu corpo entre si.

Quando o homem se rebela e se afasta da sua referência primeira em Deus, do relacionamento apropriado com Deus, tudo se torna mentira. O ser humano não sabe quem é. Toda verdade é negada. Ele passa questionar não apenas a existência de Deus. Questiona igualmente a própria existência. Quando as pessoas jogam fora o Deus da verdade, a verdade desaparece como um todo. E tudo o que resta são conjuntos de opiniões, deuses e prazeres pessoais.

 A idolatria e a sensualidade sempre andaram juntas. São tanto a causa da ira divina como consequência do juízo divino. A humanidade colocou a si mesma no centro do universo. O resultado é que muitos de nós adoramos aquela criatura que melhor conhecemos – nós mesmos. Calvino destaca que não se pode honrar a criatura religiosamente sem desonrar perversa e impiamente a Deus, dando a outros a honra que só a ele pertence.

Em quarto lugar, o homossexualismo é o mais baixo nível de degradação moral e a maior expressão do juízo de Deus (1.2428).Paulo diz que Deus entregou tais homens à imundícia (1.24) , a paixões infames (1.26) e a uma disposição mental reprovável (1.28). Tanto a imundícia como as paixões infames, assim como a disposição mental reprovável, apontam para a

imoralidade sexual, sobretudo o homossexualismo. Em sua ira Deus entrega aqueles que o desonraram à desonra de seu próprio corpo. Deus entregou aqueles que abandonaram o Autor da natureza a não guardar a ordem natural. Eles pecaram degradando a Deus, pelo que também Deus os degradou.

O que começou no raciocínio, passou pelo julgamento e se transformou em religião agora desemboca num comportamento desregrado.  A degeneração moral do mundo antigo é retratada neste horrível catálogo de vícios sexuais que a religião pagã, ao invés de restringir, promovia ativamente. 

Hoje em dia, a existência destas perversões sexuais, complacentemente consideradas “variantes interessantes” pelas pessoas que se dizem evoluídas, é uma marca terrível da ira de Deus sobre uma civilização que se orgulha de seu caráter “pós-cristão”.

Três pecados são aqui destacados como retribuição da ira de Deus.

Um. O lesbianismo (1.26). A relação sexual entre mulher e mulher já era prática comum nos dias de Paulo, mas não com tanta publicidade como existe hoje. Deus tirou o pé do freio. Entregou essas pessoas a paixões infames, e as mulheres se entregaram ao lesbianismo. 

Quando Paulo diz “até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro contrário à natureza”, está enfatizando o grau superlativo da degradação. As mulheres sempre foram guardiãs da moralidade. Quando até as mulheres se corrompem, a cultura já chegou ao fundo do poço.

Dois. O homossexualismo (1.24,27). Quando o homem desprezou o conhecimento de Deus e perverteu o culto divino, perdeu a própria identidade. O homossexualismo é uma negação total do mundo real. Refuta qualquer possibilidade de continuidade e ameaça a identidade da pessoa como fruto do relacionamento de um pai e uma mãe.

Não podemos concordar com a bandeira levantada pela homofobia, quando os ativistas desse movimento afirmam que o homossexualismo é uma opção normal e que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma união de amor que deve ser chancelada pela lei de Deus e dos homens.

Ao descrever o homossexualismo, Paulo aponta sete características desse pecado abominável: 1) imundícia (1.24); 2) desonra para o corpo (1.24); 3) paixão infame (1.26); 4) antinaturalidade (1.26); 5) contrariedade à natureza (1.26); 6) torpeza (1.28); e 7) erro (1.28).

Três. A disposição mental reprovável (1.28-31). O homem é o que ele pensa. Porque ele é entregue a uma disposição mental reprovável para praticar coisas inconvenientes, a prática se segue. Aí Paulo faz uma lista de 21 itens, num diagnóstico sombrio da realidade que nos cerca. A decadência moral atinge todos os relacionamentos: com Deus, consigo próprio, com o próximo e com a família. 

Na sua ira Deus os entregou as trevas do pecado.

Esta é a mais longa lista de pecados encontrada nas epístolas de Paulo (1.29-31). 

  • 1. Cheios de injustiça — A palavra grega adikia significa roubar tanto aos homens como a Deus de seus direitos.
  • 2. Cheios de malícia — A palavra grega, poneria, se refere a uma maldade sedutora, maligna. Trata-se da pessoa que não apenas é má, mas procura arrastar os outros para a sua maldade.
  • 3. Cheios de avareza — A palavra grega pleonexia é o desejo desenfreado que não conhece limites nem leis, o desejo insaciável de ter o que não lhe pertence por direito. E amor insaciável às possessões e aos prazeres ilícitos.
  • 4. Cheios de maldade — A palavra grega kakia descreve o homem desprovido de todo o bem. Trata-se da pessoa que tem inclinação para o pior. É o vício essencial que inclui todos os outros e do qual todos os outros procedem.
  • 5. Possuídos de inveja — A palavra grega jthonos descreve o terrível sentimento de sentir-se desconfortável com o sucesso dos outros, não só desejando o que lhes pertence, mas também alegrando-se com suas tragédias.
  • 6. Possuídos de homicídio — A palavra grega fonos se refere a desejo, intenção ou atitude de ferir o outro para tirar-lhe a vida. O assassino é também aquele que odeia a seu irmão (ljo 3.15). O homem pode ver a ação, mas Deus conhece a intenção.
  • 7. Possuídos de contenda — A palavra grega eris diz respeito ao sentimento e à atitude daquela pessoa que é dominada pela inveja e por isso se torna facciosa e briguenta.
  • 8. Possuídos de dolo — A palavra grega dolos retrata a pessoa que não age de maneira reta, usando sempre métodos tortuosos e clandestinos para tirar alguma vantagem. A palavra vem do verbo doloun usado para referir-se à falsificação de metais preciosos e a adulteração de vinhos.
  • 9. Possuídos de malignidade — A palavra grega kakoetheia descreve a pessoa que sempre supõe o pior acerca dos outros. É a pessoa que sempre vê as coisas pelo lado mais sombrio.
  • 10. Difamadores — A palavra gregapsithyristes representa a pessoa que murmura suas histórias maliciosas de ouvido a ouvido.
  • 11. Caluniadores — A palavra grega katalalos refere-se à pessoa que proclama publicamente suas infâmias.
  • 12. Aborrecidos de Deus — A palavra grega theostygeis retrata o homem que odeia a Deus, porque sabe que Deus é estorvo em seu caminho de licenciosidade. De bom grado eliminaria Deus se pudesse, pois para ele o mundo sem Deus lhe abriria o caminho para o pecado.
  • 13. Insolentes — A palavra grega hybristes retrata a pessoa altiva, soberba, sadicamente cruel, que encontra prazer em prejudicar o próximo.
  • 14. Soberbos – A palavra grega hyperefanos descreve a pessoa que está cheia de si mesma como um balão de vento. Este é o ponto culminante de todos os pecados. Trata-se de quem despreza a todos, exceto a si mesmo, e tem prazer em rebaixar e humilhar os outros.
  • 15. Presunçosos – A palavra grega alazon descreve a pessoa que pensa de si mesma além do que convém e exalta a si mesma acima da medida. Diz respeito a quem pretende ter o que não tem, saber o que não sabe e jacta-se de grandes negócios que só existem em sua imaginação.
  • 16. Inventores de males—As palavras gregas efeuretes kakon retratam aquelas pessoas que buscam novas formas de pecar, novos recônditos nos vícios, porque estão enfastiadas e sempre à procura de novas emoções em alguma forma diferente de transgressão.
  • 17. Desobedientes aos pais — a palavras gregas goneusin apeitheis se referem àquela atitude dos filhos de sacudir o jugo da obediência aos pais. Trata-se de filhos rebeldes e irreverentes.
  • 18.Insensatos — A palavra grega asynetos descreve o homem que é incapaz de aprender as lições da experiência. Trata- se da pessoa culpada de grande sandice, que se recusa a usar a mente e o cérebro que Deus lhe deu.
  • 19. Pérfidos – A palavra grega asynthetos descreve a pessoa que não é confiável. E aquele desonesto em quem não se pode confiar.
  • 20. Sem afeição natural—A palavra grega astorgos significa sem amor à família. Trata do desamor dos pais aos filhos e dos filhos aos pais. E a falta de afeto entre irmãos de sangue. A prática abusiva de abortos e os crimes familiares apontam para a gravidade desse pecado em nossos dias.
  • 21. Sem misericórdia — A palavra grega aneleemon retrata a pessoa implacável, sem piedade, que fere e mata o outro sem compaixão.

Depois de descrever com cores fortes o estado de decadência da sociedade, Paulo faz duas afirmações ainda mais chocantes:

Uma. Os homens pecam conscientemente. Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam não somente as fazem…” (1.32a). As pessoas agem sabendo que estão agindo errado. Elas sufocam a verdade, abafam a voz da consciência, apagam a luz vermelha do alarme, mas no íntimo sabem que aquilo que praticam é um ato de rebeldia contra Deus e passível de morte. O conhecimento do justo juízo de Deus não cria, porém, nenhum ódio contra o pecado  nem fomenta alguma disposição para essas pessoas se arrependerem do pecado.

Duas. Os homens aplaudem os que praticam as mesmas coisas. “… mas também aprovam os que assim procedem” (1.32b). Aqui a sociedade se mostra jactanciosa e até entusiasmada pelo pecado. O nível mais baixo da degradação moral de uma sociedade é quando ela não apenas pratica o mal, mas também o incentiva e o aplaude. Esse é o clímax da perversidade. É isso que vemos todos os dias na televisão e nos outros meios de comunicação.

O homem que aplaude ou encoraja os que praticam algo vergonhoso, embora não o praticando ele mesmo, não só é tão depravado como os que o praticam, mas muitas vezes, senão sempre, mais depravado do que eles realmente. Pois os que aplaudem e encorajam as ações perversas de outros contribuem deliberadamente para o estabelecimento de opinião pública favorável ao vício e, com isso, promovem a corrupção de multidão inumerável.

Aqui termina o nosso arrazoado de hoje, passamos pelos três tópicos prometidos: revelação, rejeição e retribuição. Como revelação, vimos porque a ira de Deus se revela do céu. Como rejeição, mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível e por ultimo vimos que a retribuição de Deus pela perversão da humanidade gentílica foi, os entregar as suas próprias paixões infames.

A minha oração é de esperança que o Espírito Santo de Deus possa, amplificar estas palavras no seu coração e de todo que passarem por esta, minha tentativa de expor o que o apóstolo Paulo quis dizer nestes versos de Romanos 1. 18 a 32.

Que o Senhor te abençoe e te guarde e faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te dê a paz..

@siciadriano, May,2023

Fontes: Schaeffer, Francis A. A obra consumada de Cristo,  Erdman, Charles R. Comentários de Romanos, p. 33. Bruce, F. F. Romanos: introdução e comentário, p. 68. Pohl, Adolf. Carta aos Romanos, Wiersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Wilson, Geoffrey B. Romanos, corrupção de multidão inumerável. John Murray. Cranfield, C. E. B. Comentário de Romanos. Cranfield, C. E. B. Comentário de Romanos. Stott, John. Romanos. Rienecker, Fritz; Rogers, Cleon. Chave. Testameiíto Grego. São Paulo: Vida Nova, Wilson,.Greathouse, William. A epístola aos Romanos.